terça-feira, 30 de março de 2010

Cacela Velha




Na visita ao Concelho de Vila Real de Sto. António, passámos por Cacela Velha.
Embora o estado do tempo não nos tivesse permitido trazer imagens soalheiras como a da fotografia publicada, aqui fica o registo de outras andanças.
Fica também uma nota sobre um poeta e sobre o livro que sobre ele se escreveu, Ibn Darraj al-Qastalli cuja história se liga à história de Cacela e que nos foi apresentado no local por Hugo Cavaco, um especialista em história do Algarve que tivemos o privilégio de ter como guia.

As transcrições que se seguem são do livro Cacela e o seu Poeta-Ibn Darraj al-Qastalli na História e Literatura do Al-Andalus, de Ahmed Tahiri e da respectiva Apresentação, de José Carlos Barros, que a Câmara de VRSA teve a amabilidade de nos oferecer, juntamente com outras publicações relacionadas com o Concelho (algumas da autoria de Hugo Cavaco) e que podem ser consultadas na Biblioteca da nossa Associação.

Ibn Darraj al-Castalli nasceu em Cacela em meados do século X e foi considerado, em todo o al-Andalus, o maior poeta do seu tempo.
Do trabalho de investigação feita recentemente por Ahmed Tahid resultou o referido livro.
Seguindo uma metodologia de " arqueologia textual" como afirma o seu autor, ficou a saber-se mais sobre a poesia cultivada no al-Andalus e também sobre a história de Cacela:

"Cacela, ou Castalla, tinha para o Algarve Oriental a mesma importância de Silves para o Algarve Extremo; e só agora, de ciência certa, compreendemos que Cacela, na sequência do declínio que afectou a cidade de Santa Maria, chegou a ser a segunda cidade mais importante do Algarve."

" Não pode deixar de considerar-se excepcional que, através da poesia, e com o seu pretexto, a História se acrescente e se desenhe na sua dimensão inteira."

" Sabemos (e compreendemos) hoje melhor, depois deste livro, que além do património, da arquitectura, da paisagem, das hortas e dos campos de figueiras, da luz da Ria poisada nas paredes de cal - Cacela é sobretudo uma realidade urbana (e intangível) feita de poesia e milagre."

Poema 31


Tive, em vez de uma longa vida de doçura,
A travessia de vales e montes lamacentos,
Em vez de noites breves sob os véus
O temor da viagem no seio de infindável treva;
Em vez de água límpida sob sombras
O fogo das entranhas queimadas pela sede;
Em vez do perfume errante das flores
O hálito esbraseado do meio-dia;
Em vez da intimidade entre dama e amiga
A rota nocturna cercado de lobos e de génios
Em vez do espectáculo de um rosto gracioso
Desgraças suportadas com nobre constância.

Ibn Darraj al-Qastalli

terça-feira, 9 de março de 2010

Alentejo - Novembro 2009



Este velho hábito de deambular por aí, à procura de lugares que nos surpreendam (não tanto pela novidade em si, mas por renovados pontos de vista com que os observamos), levou-nos, desta vez, ao Nordeste Alentejano.
Embora o tempo se apresentasse mais para o chuvoso, o sol, de quando em vez, aparecia para iluminar, oblíquo, esplêndidas paisagens outonais. Uma festa para os olhos, estes bosques de freixos, carvalhos e castanheiros. Dominam os amarelos e avermelhados, espaçados por muitas outras gamas de cores.
À medida que vamos entrando no coração da Serra de S. Mamede, as ondulações suaves de montado ora se afundam em vales viçosos, ora se erguem em penhascos agrestes.
Aproximando-nos de Portalegre, impossível não lembrar José Régio e a sua “toada”, muito bem lida pela Fernanda Pinguinha (depois de um pequeno incidente que não vem ao caso):

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
(…)


Nesta cidade, optámos por uma visita ao Museu de Tapeçaria Guy Fino. É inacreditável a perfeição e riqueza cromática do ponto de Portalegre! Mas é talvez esta a explicação para a quantidade de artistas notáveis (nacionais e estrangeiros) que têm assinado obras para esta manufactura.
De Castelo de Vide fica a imagem do casario branco galgando as encostas do castelo, das expressivas texturas da cal, das inúmeras portas góticas. Não fosse Outono e as fachadas ostentariam risonhos vasos de flores. Fica o mistério de ruelas sinuosas que escondem segredos, memórias judaicas. São histórias de Inquisição mas também são histórias de tolerância. A Fonte da Vila lá está ainda, fonte de vida e símbolo de boa convivência entre judeus e cristãos.
Finalmente, Marvão. Dita inexpugnável, lá no cimo da escarpa, constitui um conjunto de fortalezas que se foram sobrepondo para responder a novas necessidades defensivas. Dir-se-ia que lá no alto só encontraríamos o vento e a rocha… Na verdade, o que nos esperava era uma vila em festa, o grande magusto que ali se realiza todos os anos.
O vento forte eleva o fumo das castanhas assadas, mistura os cheiros dos petiscos, as vozes, os sons dos inúmeros grupos musicais que percorrem as ruas. Fica saborosa, a vila! Habitualmente é habitada apenas pelo silêncio recolhido das suas memórias.
Vista do interior, Marvão surpreende pelo aconchego do casario, de um branco irrepreensível, pela beleza de recantos e pormenores arquitectónicos, pela força protectora das suas muralhas.
Subimos à torre: a lonjura a perder-se na bruma lembra-nos episódios de vida de fronteira, histórias de contrabando. Tempos difíceis esses, em que este era o sustento de muitas famílias.
“O tempo mora aqui”. Nós é que não…Temos de regressar.
Mas trazemos a memória povoada de cores, sons, sabores e risos (muitos!).