sábado, 23 de junho de 2012

Esperança gramatical



Todos os modos e tempos verbais do verbo falir se admitem, com excepção de quatro pessoas do presente do indicativo e todo o presente do conjuntivo. Em que medida é que isto são boas notícias? O facto de o verbo falir ser defectivo faz com que, no presente, nenhum português possa falir. 

E quando o leitor pensava que já tinha ouvido tudo acerca da crise, de repente fica a saber que, gramaticalmente, é muito difícil que Portugal vá à falência. E, enquanto for gramaticalmente impossível, eu acredito. Justifico esta ideia com a seguinte teoria fascinante: normalmente, considera-se que o verbo falir é defectivo. Significa isto que lhe faltam algumas pessoas, designadamente a primeira, a segunda e a terceira do singular, e a terceira do plural do presente do indicativo, e todas as do presente do conjuntivo. Não se diz "eu falo", "tu fales", nem "ele fale". Não se diz "eles falem". Todos os modos e tempos verbais do verbo falir se admitem, com excepção de quatro pessoas do presente do indicativo e todo o presente do conjuntivo. Em que medida é que isto são boas notícias? O facto de o verbo falir ser defectivo faz com que, no presente, nenhum português possa falir. Não é possível falir, presentemente, em Portugal. "Eu falo" é uma declaração ilegítima. Podemos aventar a hipótese de vir a falir, porque "eu falirei" é uma forma aceitável do verbo falir. E quem já tiver falido não tem salvação, porque também é perfeitamente legítimo afirmar: "eu fali". Mas ninguém pode dizer que, neste momento, "fale".
Acaba por ser justo que o verbo falir registe estas falências na conjugação. Justo e útil, sobretudo em tempos de crise. Basta que os portugueses vivam no presente - que, além do mais, é dos melhores tempos para se viver - para que não "falam" (outra conjugação impossível). Não deixa de ser misterioso que a língua portuguesa permita que, no passado, se possa ter falido, e até que se possa vir a falir, no futuro, ao mesmo tempo que inviabiliza que se "fala", no presente. Se eu nunca "falo", como posso ter falido? Se ninguém "fale", porquê antever que alguém falirá? Talvez a explicação esteja nos negócios de import/export. Nas outras línguas, é possível falir no presente, pelo que os portugueses que têm negócios com estrangeiros podem ver-se na iminência de falir. Mas basta que os portugueses não falem (do verbo falar, não do verbo falir) acerca de negócios com estrangeiros para que não "falam" (do verbo falir, não do verbo falar). Eu tenho esse cuidado, e por isso não falo (do verbo falir e do verbo falar).
Bem sei que o prof. Rodrigo Sá Nogueira, assim como outros linguistas, se opõe a que o verbo falir seja considerado defectivo. Mas essa é uma posição que tem de se considerar anti-patriótica. É altura de a gramática se submeter à economia. Tudo o resto já se submeteu.
                                    in http://visao.sapo.pt/ricardo-araujo-pereira=s23462  

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Visita Guiada a Alcoutim e Sanlúcar do Guadiana

    Com esta visita, no passado mês de Maio, encerrou-se, por agora, o projecto transfronteiriço de descoberta do património natural e cultural do Baixo Guadiana.
    Desta vez, a visita foi guiada pela nossa associada Victoria Cassinello, especialista em história desta região, a quem agradecemos a preciosa colaboração. 
     O espírito associativo no seu melhor! 




    A primeira paragem foi em Guerreiros do Rio, para visitar o Museu do Rio, a que se seguiu a Estação Arqueológica do Montinho das Laranjeiras. 
    Esta villa romana, deixada a descoberto pela grande cheia do Guadiana de 1876 e logo estudada por Estácio da Veiga, apresenta vestígios de ocupação humana desde o séc. I até à época almóada (séc. XII-XIII). 

Momentos de convívio e boa disposição









Em Alcoutim


Passeio pelas muralhas e Museu Arqueológico.

História do Castelo de Sanlúcar del Guadiana








Sanlúcar de Guadiana

    Após o almoço, realizado no Baluarte do Castelo de Alcoutim, e tendo à vista, do outro lado do Guadiana, o Castillo de San Marcos, mais conhecido por Castelo de Sanlúcar,o Professor Juan Luís Carriazo, da Universidade de Huelva, proferiu uma interessante palestra acerca da história do mesmo e do seu futuro como atração turístico-cultural.
    Situa-se o Castelo de Sanlúcar de Guadiana numa elevação fronteira à vila portuguesa de Alcoutim, tendo o mesmo constituído, sobretudo na Idade Média, – tal como o Castelo de Alcoutim –, um baluarte de defesa fronteiriça dos dois países ibéricos, apesar das relações permanentes de boa vizinhaça que tradicionalmente existiram entre as duas populações raianas.
    Até há pouco tempo, pensava-se que a sua construção dataria do século XV, mas as últimas investigações históricas situam-na, agora, no século XIV, ou até antes no tempo.
Neste momento é o único castelo ou fortaleza da Andaluzia que se encontra a ser alvo, simultaneamente, de trabalhos arqueológicos e de recuperação estrutural. É intenção nele criar um núcleo museológico, semelhante ao do Castelo de Alcoutim, e possibilitar que o mesmo se torne um local de turismo histórico.
                                                                                J.A. Gonçalves


Um rio, duas margens, dois poemas.
Dois poetas do Guadiana, Carlos Brito, do "lado de cá" e Manuel Pacheco, do "lado de lá", pela voz da Fernanda Pinguinha:



           O RIO
Olhar-te Guadiana adormecido
entre duas margens da Ibéria
ler-vos águas da história
vindas de um tempo indefinido
sinuosa artéria
sulco na terra e na memória

Seguir-vos correntes nebulosas
neste ser e não ser ainda dia
buscar no caudal encoberto
embarcações outrora fabulosas
da mediterrânica bacia
e outras de curso incerto
          (...)
         Carlos Brito

           Guadiana

O Guadiana, com o regaço sempre cheio de céus
Com o seu sol de serpentes, com a sua voz escondida,
Maternidade da água e noiva de mil ciúmes
E cerva da tarde constantemente ferida.

No seio late-lhe um desejo viajante
O cristal dos seios da pedra rodada
E no vento sonoro da rama o luzeiro
Que caiu do anjo ontem de madrugada.


Pé descalço entre juncos da moça que grita
Pisando vai a nuvem cheia de arrepio,
Hortelã, poejo, adelfa, margarida...
E despe-se a água para que passe o rio.
              Manuel Pacheco


Passeio no Guadiana e visita a Sanlúcar






domingo, 10 de junho de 2012

Ainda o Dia de Portugal e das Comunidades

Não era possível deixar passar este dia sem uma nota positiva sobre Portugal.
Não é nacionalismo exacerbado: é que acho que temos muito de que nos orgulhar, sinceramente.
O imenso património que legámos  fala por si. Incluindo a Língua, claro.
O diaporama que se segue mostra aspectos do imenso património construído e espalhado pelo mundo. Pena que nem sempre esteja bem conservado...


Dos nossos associados, para o Dia de Portugal

Ontem, publicámos um poema de Tito Olívio, na sua vertente lírica.
Para ser publicado hoje, Dia de Portugal e das Comunidades, o mesmo autor enviou-nos o que se segue.


MEU POVO
Tito Olívio

 Na alvorada do tempo, os portugueses,
Em busca de outros mundos, além-mar,
Correram todo o mundo sete vezes
Numas cascas de noz, a navegar.
Deixaram o comércio aos holandeses
Ao trazerem a Índia pelo mar.
A canela, a pimenta e o açafrão
Passaram, em Lisboa, a estar à mão.

Depois, foi o Brasil, uma colónia,
Doce filão do ouro e pedraria,
Que vinham para cá sem cerimónia,
Prà chulagem da corte, que vivia
Do erário e dormia sem insónia.
E o povo trabalhava cada dia,
Comendo apenas pão com azeitonas,
De algibeiras vazias e nas lonas.

Ah! Bravos portugueses! Onde estão
As receitas de tantas descobertas?
Povo, cheio de fome e de ambição,
As vidas arriscou nas horas certas,
Para ficar no fim sem um tostão.
Gente boa, de portas sempre abertas,
Mas, ser fraca nas contas, foi seu mal.
Afinal, pra onde vais, meu Portugal?
  

Certo dia, vieram os franceses
Em busca das colónias que ficaram,
Porque outras eram já dos holandeses.
E foram os Filipes que os deixaram.
Antigos aliados, os ingleses,
Vieram cá também, mas ajudaram
A troco de honraria e bons abrigos.
Bem caro nos ficou ter tais amigos!

O rei, filho da louca, debandou,
Levando toda a corte, essa chulagem.
Com a fuga, o Brasil feliz ficou
E pôde se livrar da vassalagem.
E guerra fratricida se instalou,
Mostrando o mau instinto e ódio selvagem.
Criaram parlamento e deputados,
Gente inútil com ricos ordenados.

E mataram o rei, em manhã triste.
Pra mudar, não tinha outra solução?
Mudaram só as moscas e persiste
A trampa em que nadava esta nação.
Aquele luso herói já não existe.
Viver sem trabalhar é a ambição
Do esperto, do bandido, do incapaz.
Há tumultos nas ruas. Foi-se a paz.
  
Faro, 10-06-2012        


sábado, 9 de junho de 2012

Jacarandás




O jacarandá florido
Brando cantar trazia
Branda a viola da noite
Branda a flauta do dia


O Jacarandá florido
Brando cantar trazia
O vinho doce da noite
A água clara do dia


Quem o olhava bebia
Quem o olhava escutava
O jacarandá florido
Que o silêncio cantava

                                                   Matilde Rosa Araújo




Pintaram minha rua de lilás,
Em pinceladas fortes, curvilíneas,
Para ofuscar as pétalas sanguíneas
Dos loendros e hibiscos, lá atrás.

São os jacarandás, bocas floríneas.
Em cada ano, Maio sempre traz
Campainhas de perfume pertinaz,
Trepando pelas ramas longuilíneas.

Tendo vivido juntos, tão diversos
Foram nossos destinos! Floram versos,
Que, a quem por aqui passa, enchem de encanto

E pintam minha rua de beleza;
Os meus pobres poemas, sem grandeza,
Só espalham saudades no seu canto.

                         Tito Olívio

terça-feira, 5 de junho de 2012

Dia Mundial do Ambiente


Quem diria que o mais pequeno gesto pode ter consequências?
Lançar uma tampinha de plástico no mar imenso parece a coisa mais inofensiva.
E contudo...
Este trabalho de Chris Jordan é um valioso contributo para a responsabilização colectiva:
                     
                  http://www.midwayfilm.com

Ambiente, natureza e harmonia



  Olho o areal quase despovoado – pequenos grupos de jovens aproveitam o sol de Outono e alguns pescadores prendem as canas nos suportes cravados perto da água.
  Apetece-me fazer uma caminhada na praia. Descalço os sapatos e agrada-me enterrar os pés na areia morna. Minúsculos projécteis trazidos por bruscas e breves rajadas de um ventinho brincalhão, agridem-me a cara e ficam colados aos lábios.
  Aos poucos, quase insensivelmente, aproximo-me da beira-mar. Andar na areia molhada, mesmo à beirinha da rebentação das ondas, é um prazer.
     O mar banha-me os pés – é uma água fresca e revigorante que vai e vem - brinca comigo. A maré está a encher. Não dobrei as calças - molharam-se na extremidade. Não faz mal – secarão.
  A areia mole, frouxa, dificulta o caminhar. Afasto-me da água e sento-me numa trave de madeira, mais acima.
     E deixo-me entranhar – pela cor do mar, pelo vento, pelo fragor das ondas, que não consente outros sons que não os da natureza. E fico-me a contá-las: uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete... – seis pequenas e uma grande, como dizíamos quando era criança – quase funciona! O mar, ainda não limpo dos temporais recentes, tem uma cor indefinida: amarelo? verde? cinza?. As ondas enrolam-se iradas, mas espraiam-se languidamente, suavemente. O mar não bate na areia – lambe-a, acaricia-a, estende-se, alonga-se e desliza sobre ela.
    Em certas zonas, enormes manchas de espuma pelo mar dentro. Por vezes, do encontro de duas ondas em rebentação, nascem árvores de flores brancas. Efémeras…
Regresso e fico numa esplanada junto ao areal desfrutando, ainda, aquele vastíssimo espaço – céu e mar unidos pela linha do horizonte. As ondas formam-se próximo da praia e, para lá delas, o mar calmo tem uma quase definida cor azul que reflecte o azul aguado do céu.
Apetece-me encher os olhos da imensidão e respirar sofregamente a maresia que o vento traz, para as transportar comigo no regresso a casa.

     Maria Herculana
        25/10/2011