domingo, 15 de junho de 2014

UMA CHÁVENA DE CAFÉ



                                          Uma chávena de café

Após o almoço vinha o ritual: era seu privilégio tomar uma chávena de café no terraço virado ao mar.
A máquina expresso facilitava esse prazer.
Ao destapar a caixa  com o café recentemente moído, o  cheiro invadia-lhe as narinas.
Enchia o recipiente, aconchegava-o quase com carinho e colocava-o no local onde recebia o jacto de água fervente que lhe extrairia todo o aroma e sabor.
Accionava o botão, via as bicas verterem dois fios de espuma acastanhada para a chávena de vidro e aspirava o aroma forte e quente.
Desligada a máquina, algum líquido escorria ainda.
Pegava na chávena e ficava a observar o café. Flocos acastanhados flutuavam, descendo da superfície coberta por compacta espuma. Mais rápidos e abundantes no início, mais raros e lentos depois, cada vez mais lentos até a cor castanha, escura, homogénea, escurecer mais ainda e ser um líquido negro sob a camada de espuma espessa e dourada.
Gostava de seguir todo aquele processo.
Só então o bebericava, golinhos curtos, o líquido amargo e escaldante a queimar a ponta da língua, a deslizar pela garganta e o seu calor a percorrer o peito. Por fim, sentia o sabor suave da espuma, a textura aveludada a desfazer-se lentamente na boca.
Chávena na mão, olhar perdido na imensidão do mar, plácido em dias calmos, agitado em dias de temporal, sentia-se com ele irmanado numa solidão imensa, uma solidão sem fim, mesmo quando para eles convergiam as atenções e, aparentemente, eram o centro do universo.
A solidão era constante - os momentos diferentes, agradáveis ou não, eram meras ilusões que a tornavam mais suportável.

Maria Herculana
10/06/2014